quinta-feira, 13 de maio de 2010

Vida em Bang-Bang






Exatos 44 dias que estou aqui, nada mais justo que promover a cidade onde estou vivendo, palco de alegrias e confusões que certamente sentirei muita falta. Bangalore é conhecida na India como Garden City pela grande quantidade de parques e áreas verdes que possui, o que faz dela uma das metrópoles mais agradáveis do país. É a capital do estado de Karnataka e vem crescendo absurdamente e desordenadamente, visto que de alguns anos para cá se tornou pólo de desenvolvimento de TI, laboratórios, construção civil, biomedicina e outras áreas estratégicas. Justifica o fato de a maioria das pessoas que venho conhecendo não serem naturais daqui e sim terem chegado em B'lore "fazer a vida" com a família, em busca de melhor emprego e educação para os filhos. Por tudo isso, inevitavelmente se tornou uma cidade pop, está cheia de estrangeiros, baladinhas, lugares da moda e colunas sociais bombantes, mesmo que a lei estadual ordene o fechamento de qualquer clube/bar e proíba a venda de bebidas alcoólicas após as 11h30. Sim, as festas tem que acabar às 11h30 e todo mundo é literalmente enxotado do recinto. Depois disso? A solução são as festas privadas nas casas das pessoas, com convite ou não.

Com muita grana rolando, as diferenças sociais são gritantes aos olhos. Canso de ver jovens nos carrões com motorista particular, lotando os cafés e lugares com alguma gastronomia ou ambiente distinto, enquanto a merda come solta na rua. Através de 2 paranaenses que estão aqui abrindo uma empresa de geradores, Neto e Rodrigo, conheci um clube chamado mais ou menos Bangalore Expatriats Club, onde toda a gringaiada adulta se reúne pra conversar e fazer programas sociais. Gringaiada adulta entenda-se pessoas que estão aqui trabalhando pra valer em grandes companhias e fazendo muito dinheiro, nada de estudante intercambista que viaja de trem e chora desconto em tudo. A maioria tem uma vida muito melhor do que tinha em casa, quase todos com seus motoristas particulares 24 horas por dia, compras, festas e viagens caras. Em uma dessas festas, num hotel lindíssimo chamado Ista, conheci gente do mundo inteiro e senti uma coisa estranha: está todo mundo ali completamente alienado do lugar onde estão, e não se importando um puto com isso. Existe uma resistência muito grande às condições, à India mesmo. Os diálogos frequentemente envolvem deboche de alguma situação ou costume daqui, não gosto disso. O figurino das meninas... bem, algo tipo clubbing in Beverly Hills. Essa festa tem quase 3 semanas e depois disso não vi mais esse pessoal apesar de manter contato com o Neto e Rodrigo normalmente, afinal não tem nada a ver.

Quem eu vejo com muito mais frequencia é a Gabi, uma querida! Natural de Brasília, ela estudou Antropologia e Desenvolvimento na London School of Economics e veio direto pra cá. Já com experiência em ONGs em Brasília, está trabalhando aqui na IT for Change, uma ONG pioneira que avalia impactos do desenvolvimento cibernético na sociedade, estão arrebentando, os chefes dela não param de viajar. Adoro conversar com ela e dividimos algumas opiniões e dramas similares, risadas também!! Outro dia nos encontramos em um café e ela convidou uma outra brasileira, Maria Clara, de Bauru. Maria Clara trabalha para a Ashoka (quem não conhece, é uma das maiores ONGs do mundo para empreendedorismo social) e reside normalmente em Washington. Veio para a India simplesmente para reestruturar a Ashoka India, bem pouca coisa ela, hein? Muito inteligente e super polida, está praticamente casada com um indiano que também trabalha com empreendedorismo social. Combinamos uma jantinha no apartamento deles, espero que role logo porque eu adorei a companhia e a conversa. No mais, ando muito com os outros gringos da AIESEC, que é com quem faço as viagens de fim de semana (tema de algum post muito próximo) e também as saídas para bares e afins. São todos muito queridos, uns mais que os outros obviamente. No momento está bem sortido: Brasil, Colombia, México, Polônia, Espanha, Alemanha, China, Japão... Em breve chegará no honorável Raheja Residence uma lôra da Finlândia com quem já estou em contato, parece bem gente boa.

No trabalho a coisa desacelerou bastante de quando eu cheguei... O que acontece é que não tenho função definida, cada um faz seu trabalho freneticamente e eu fico meio que no limbo. São muitas conferências, oficinas, workshops e aí que eu aprendo mais, além das visitas às instituições, tema de algum próximo post também. Agora, trabalho no escritório pelo menos pra mim está fraquíssimo. Já me ofereci pra tudo, falei que me chamem pra isso e pra aquilo, mas não rola muito. Conversando com os outros trainees percebemos que rola mais ou menos isso aqui, o gringo é meio que figuração, é legal ter um estagiário estrangeiro, dá um certo status à organização, mesmo que ele não contribua grandes coisas. Bem, estou disponível e tentando fazer minha parte, mas não estão rolando grandes coisas de uns tempos pra cá nesse sentido.

Quanto à Incredible !ndia experience, estou matando minha lista de atividades aos poucos: Ayurveda já fiz outra sessão depois da postada (uma maravilha, by the way) e mais sessões por vir; Boollywood no cinema já vi mas certamente rola mais, assisti House Full, o último hit; Boollywood dance e dança clássica indiana tentei ir a algumas oficinas e cursos mas os horários e dias são péssimos, vou continuar tentando e conto pra vocês; City Tour, já andei por aí com Irena, trainee da Bulgaria. Fomos a alguns pontos turísticos mais importantes e ao shopping mais caro da cidade almoçar, onde todas as grifézimas estão localizadas; Yoga, a fodástica universidade que eu comentei fica fora de Bangalore e é só para cursos sérios e profissionalizantes, nada de "quero experimentar", estou tendo dificuldade para encontrar um lugar legal perto de casa, tem muito centro de Yoga falcatrua aqui; Meditação, semana que vem vou dar uma passada no Osho Center e dar uma averiguada; Ashram (retiros espirituais), devo ir em algum fim de semana em breve; Comprinhas, Bangalore é um bom lugar! Tem de tudo mas os preços são meio salgados comparados ao resto do país. Sai outro dia com a Parinita (já falei sobre ela) fazer bagunça na Commercial Street, versão indiana da nosso querido Saara no Rio. A família dela é do Rajasthan, onde tudo é muito mais barato então a guria pechinchava TUDO, tanto que não me deixou comprar 2 batas lindíssimas que pra mim estavam bem baratas. Ela não me deixava comprar nada do que eu gostava, foi muito engraçado! Bom, mais compras virão e por aí vai. Tudo será devidamente abordado e fofocado por aqui! No mais, estou gostando bastante, to achando tudo ótimo e estou bem adaptada à cidade.... que continue assim, Amem e Namaste ;)

Fotos: 1) com os trainees David de Barcelona e Mareike de Frankfurt; 2) Área comercial de Bangalore 3) Parinita e os zilhões de bangles (pulseiras indianas) que cobiçamos 4) Vidhana Souda, antigo palácio real 5) Gabi aniversariando na festa do Ista Hotel

segunda-feira, 26 de abril de 2010

One tequila, Two tequila, Three tequila, Four!! Hey hey hey, AIESEC Bangalore!!






No último fim de semana de 23-24 foi o Congresso da AIESEC Bangalore, o que para mim no Rio foi o Discovery Days. De gringos fomos eu, Claire (Alemanha), Mareike (Alemanha), Eric (China), Caetano e Mari (os brasileiros) e Dariela do México que chegou do aeroporto direto pro Cong. O Cong foi no Green Valley Resort, a uns 50 km de Bangalore. Não se empolguem, não tem nada a ver com o nosso conceito de Resort. Parece um lugar que já foi legal mas agora está abandonado, como muita coisa aqui na Índia. Chegando lá tava todo mundo super empolgado, fazendo mil rollcalls (gritos de guerra) e jives (dancinhas) da AIESEC, super integração. Depois dos discursos de abertura, jantar e afins, rolou a primeira festinha. Olha, me surpreendeu porque o povo bebe bem, BEM. Nos joguinhos pra beber a mulherada mandou ver. O pessoal era quase todo na faixa dos 20-22 anos e bem modernosos, se vestem totalmente ocidentais. O tema da festa foi “shorts” então as meninas estavam de short curto e camiseta e tava tudo bem. Reparei na relação entre os meninos e meninas e é totalmente igual a nossa, abraçam, beijam, batem (na brincadeira!), sentam no colo (de roupa, ta?), não dá nada. A maioria é de família tradicional pero no mucho e tem grana, estão em faculdade particular. Por fim conheci a Parinita, minha TN Manager. Graças a ela estou aqui, ela encaminhou meu currículo pra Child Rights Trust e deu força pra me aprovarem. Uma fofinha, queridézima.

A coisa foi que foi que várias criaturas deram PT. No nosso bangalô estávamos em 12, os gringos na sala e os indianos no quarto. Pelo menos 3 indianos do quarto vomitaram terrivelmente no banheiro, no colchão deles, na pia e ao redor da privada, não dentro dela. Caótico. Um deles, bebaço, caiu na escada e quase quebrou uma costela, ficou com dor o fim de semana inteiro. Um cidadão eu vi dormindo em cima do próprio vômito, muito bonito. E nós de cara. Silêncio pra dormir mesmo, só 6 da matina. No dia seguinte as sessões, atividades, palestras e tudo mais continuaram, mas nós na condição de trainees não somos obrigados a assistir, então ficamos na piscina. O que aconteceu é que no Sábado de manhã resolveu desembarcar uma caravana das Arábias, vários casais e crianças muçulmanos. Mulherada de roupa e TUDO na piscina, os tios sem camisa. Como as gringas vão entrar na água? De roupa, claro. Eu até fui ousada, entrei de biquíni por baixo e uma bata branca por cima. A Mareike entrou de maiô, bem que fez. Então eu fiquei reparando na hipocrisia disso tudo: as mulheres ensopadas em panos e lenços na piscina e os maridos delas olhando pra gente! Que legal, né? Deixa a tua mulher entrar na piscina com roupa de banho e fica secando ela, não eu! Fiquei só fazendo meu famoso estudo antropológico, tudo bem. Por isso que na minha opinião as religiões podem ser interessantes ao refletir culturas e etc, mas também são a grande insanidade e disfarce dos podres dos Homens, e tenho dito.


Depois de comer, dormir e lagartear no sol, participamos de algumas sessões só no entra e sai, sem compromisso. Eu tinha feito um Power point sobre o Brasil, um pouco de história (até demais) e aspectos culturais do Brazilian Way of Life, que apresentei com o Caetano e a Mari, todo mundo adorou. Coloquei nossos animais, lugares turísticos, nossas refeições com muuuuuita carne, festivais e casamentos. Também coloquei nosso ilustríssimo, o Lula. Quando apareceu o slide todo mundo gritou e aplaudiu hahahaha eu, Caetano e Mari só se olhando. O mais freak nisso tudo é que eu tinha feito um slide só para falar do Carnaval, coloquei uma foto da Luisa Brunet, que é nossa madrinha mais comportada. Na hora da apresentação, cadê o slide? APAGARAM!! O Caetano acha que não mas po, eu fiz a apresentação e de repente o slide não existe mais?? Anyway, depois nos dividimos em grupo e respondemos a perguntas. Olha o que me perguntaram: “conta alguma festa muito louca que você fez no Brasil” lembrei da festa do barco e resolvi ficar quieta. Perguntaram também da Libertadores, das loucuras que eu fiz no carnaval... ai, que loucura! Acabando, fomos nos preparar para a próxima festchénha cujo tema era Beach Party. A drinking joke foi muito pior, não vou descrever, vide foto. Apesar disso, a festa foi muito mais light que a primeira, mas ainda sim com direito a vômito ao redor da privada. O chair do Congresso, Ankeet, saia com garrafa de rum indiano Old Monk abrindo a boca de todo mundo e colocando pra dentro, não podia acabar bem.


No dia seguinte, mais piscina, sono e comida. Na cerimônia de encerramento, acendemos velas e todo mundo cantou, foi bem bonito. Aproveitei a oportunidade dos final speechs pra agradecer a Parinita e ao Ankit, nosso amigo e responsável pelos trainees, sempre cuidando de tudo e todos. Indo embora no ônibus ele veio me falar que foi a primeira vez que alguém mostrou apreciação por ele em público dentro da AIESEC, porque a AIESEC Bangalore caga pra ele e geralmente na Índia as AIESECs cagam pro trainee. Índia e China são os lideres em intercâmbios então o que eles prezam é por quantidade e não qualidade. Querem bater meta, existe uma rivalidade muito grande entre as AIESECs dentro da Índia que reflete dentro do próprio comitê. Me pareceu que as áreas aqui são super rivais, ficam gritando o tempo todo uma com a outra, na nossa AIESEC Rio não é assim, todo mundo é parte de um time só e se ajuda. Percebi essa segregação também durante as festas, aí de quê adianta? O Ankit me contou que ninguém dá valor à função dele mesmo, ele estava na festa e chegou pra falar com um pessoal e falaram pra ele “teus trainees não tão aqui, vai lá ficar com eles, vai vai...”. Ele ficou tão chateado que foi ficar sozinho um tempão. Já tá bem decepcionado com a AIESEC e reconsiderando recrutar um monte de gente pra fazer o trabalho com ele e não se incomodar mais. Ele é responsável atualmente por 23 gringos, cada um com uma carga diferente de problemas e solicitações. Eu provavelmente sou a mais chata e se realmente for o caso, ele disfarça bem.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ayurveda nela!




Isso foi engraçado. Gente, vou abrir um parênteses aqui entre meu último post e a promessa do próximo pra contar minha iniciação nos mistérios do Oriente e derivados. Como é de se imaginar, não vim pra Índia só pra trabalhar, mas pra viver aqui, VIVER AQUI. E isso inclui todo tipo de experiência regional, para as quais eu estou totalmente disponível. No bairro onde eu moro, Koramangala, tem uma filial de uma super rede de terapia através da Ayurveda. Pra quem não conhece, um pouquinho de Wikipedia:

“Ayurveda é o nome dado ao conhecimento médico desenvolvido na Índia há cerca de 7 mil anos, o que faz dela um dos mais antigos sistemas medicinais da humanidade. Ayurveda significa, em sânscrito, Ciência (veda) da vida (ayur). Continua a ser a medicina oficial na Índia e tem-se difundido por todo o mundo como uma técnica eficaz de medicina tradicional. Ayurveda baseia-se no sistema filosófico samkhya: os cinco elementos que formam toda a manifestação material do universo. São eles: éter, ar, fogo, água e terra. Toda a matéria que existe no universo provém destes 5 elementos, inclusive o corpo humano. De acordo com o Ayurveda, quando algum dos 5 elementos está em desequilíbrio no corpo do indivíduo, inicia-se o processo da doença.”

A AyurCare tem pinta de spa mas na verdade é uma clínica médica, pois Ayurveda é medicina. Fui convencida com muita facilidade a adquirir o programa AyurCare package por Rs 9.000 (R$ 360,00) que me dá direito a 3 ou 4 tratamentos, dependendo do que eu escolher. Nessa primeira vez fiz o Sensory Bliss, o package mais completo, 2 horas e meia de tratamento que inclui massagem dos pés a cabeça e ativação dos sentidos através de calor, frio, aromas e afins. Fui bem “a loca” sem saber o que era, o que vinha, o que tinha.

Chegando lá fui levada a uma das sala de tratamento, bem aconchegante com uma musiquinha sensacional ditada em sanscrito, uma espécie de oração cantada. Três mulheres me atenderam e fizeram o tratamento durante todo o tempo. Foram arrancando minha roupa e tive que colocar uma tanguinha medonha, lembrei da minha cirurgia da vesícula, ai meu Deus. Quase que eu dou um treco e mando “paaaaaaara que eu quero descer!!” mas resolvi encarar. O tratamento começou pela cabeça. Com especiarias e algo mais, a terapeuta fez uma oração e começou a esfregar meu coro cabeludo e fazer movimentos bem fortes. Tomei várias porradas na cabeça, não tava entendendo nada. Depois de fazer do meu cabelo um nó só, deitei na maca. A maca da Ayurveda é de um material bem liso e escorregadio, com bordas grossas e mais alta no centro, de maneira que os líquidos escorrem para as bordas e pingam por extremidades abertas na cabeça e nos pés. Não existe colchão nem nada embaixo. Aí começou a bagunça, me lavaram de oleo de lavanda, que eu tinha previamente escolhido e começaram a massagem, bem vigorosa também. Me senti um frango ao alho e oleo sendo amaciado pra rechear, aí resolvi abstrair e curtir, senão ía virar tragédia. A massagem deve balancear os chacras do corpo. As terapeutas faziam movimentos sincronizados, sempre empurrando pras extremidades. Na hora não foi relaxante, era forte e até doía em alguns pontos, mas acho que é isso mesmo que tem que ser pra funcionar. Foi mais ou menos uns 40 minutos só de massagem, no pescoço, nos pés e na coluna foram particularmente sensacionais. Então veio a massagem facial… caceta, foi um óleo só na minha cara, pensei “bom, não dá nada, amanhã saem todas as espinhas de 2010”. Até agora não saíram e foi bem relaxante. Em seguida, mais óleo. Com uma jarra dourada de cobre (a Ayurveda recomenda só consumir líquidos e alimentos preparados e servidos em utensílios de cobre) por uns 30 minutos derrubaram oleo morno na minha testa de um lado a outro bem devagar… ía escorrendo pra uma toalha e embebendo meu cabelo… “ai, minha raiz oleosa”. Enquanto isso, senti um cheiro delicioso que não identifiquei, alguma substância queimando liberava aquilo, muito muito bom. Depois disso gomaram meu corpo todo em uma lama preta gelaaaada que depois serviu pra esfoliação, e me lavaram deitada ali na maca mesmo, com um chá de cor vermelha forte. Por fim, queimaram uma planta e me fizeram cheirar a fumaça e expelir pela boca, fiquei doidona. Depois disso, me mandaram pro banho. No banheiro, um tonel enorme de cobre com a mesma água de chá vermelha e uma jarra menor pra ajudar. Banho tomado, me sentaram novamente pra perfumar o cabelo com essências, plantas secas e carvão perfumado. Passaram a fumaça por toda minha cabeça e estava liberada. Lembro de ter visto isso em filmes, rainhas e afins se perfumavam dessa maneira. Na saída, uma bebida ácida pra finalizar. Chegando em casa, morri na cama não era nem 21h, fantástico. Próxima semana farei outro tratamento e conto pra vocês.

As fotos obviamente não são minhas mas foi exatamente isso que aconteceu, adorei.

domingo, 18 de abril de 2010

Tá, e o quê que eu to fazendo aqui?






Tá tudo lindo, Ju. Agora, explica pra gente como você foi parar aí. Meus amigos sabem que vim para a Índia através da AIESEC para uma experiência de estágio. O que nem todo mundo sabe é como essa história está desenrolando. Estou trabalhando desde o dia que cheguei aqui na Child Rights Trust ou CRT, uma ONG para direitos humanos para crianças. Antes de sair do Brasil muita coisa estava indefinida e havia a possibilidade de trabalhar com projetos para meio ambiente e microcrédito, o que eu estava bem interessada mas acabaram não saindo, e cá estou. Fiquei um pouco apreensiva no começo pois não é exatamente a minha área e não sei até onde posso contribuir, mas por enquanto tem sido bem interessante e definitivamente não se trata de um assunto fútil ou desnecessário. Ser criança na Índia pode ser insustentável, impraticável, deplorável. Disso vou falar mais pra frente.

No primeiro dia, conversei muito com o Sr. Nagasimha, uma entrevista de trabalho bem informal, eu falando de lá e ele de cá, do trabalho que vamos fazer, do que eu busco aprender por aqui e do que posso oferecer, coisas do gênero. Contei da minha vida no Brasil, da minha família, da minha infância (é claro, estamos em uma ONG para os direitos da criança) e afins. De Martin Luther King a Burguer King, o Sr. Nagasimha (ou Simha) tem as melhores sacadas. Ele é muito bem humorado e comprometido com o trabalho, sabe do que está falando e vende o produto muito bem, nesse caso, o produto é a criação de awareness entre os diferentes grupos sociais (especialmente autoridades) dos direitos da criança. Ouvir ele falando dos dados, do que acontece na prática e do que se tem feito é inspirador. Em nossas conversas eu pude perceber que Índia e Brasil são MUITO parecidos em matéria de desigualdades e principalmente na situação das crianças, com algumas exceções aqui ditadas pelo hinduísmo e islamismo, ainda vou contar. No primeiro dia, a Sra. Padmini estava no escritório. Ela é uma autoridade na Índia em direitos da criança, já implementou projetos da Etiópia, já esteve em Brasília conversando com a nosso escritório da UNICEF e participou da Rio 92, na época trabalhava com meio ambiente.


A CRT é uma ONG-mãe. Trabalha coordenando mais de 60 outras ONGs no estado de Karnataka. O trabalho desempenhado aqui é de pesquisa, documentação, treinamento, mídia, entre outros, sempre assistindo as outras ONGs que, por sua vez, trabalham diretamente com as crianças e a comunidade em geral. Um dos maiores projetos da CRT é a Child Line, um similar ao nosso Disque-Denúncia e pelo que pude ver, realmente funciona. Ao testemunhar algum abuso contra criança, qualquer um pode acionar o Child Line que os agentes vão resgatar a criança em questão com ajuda policial. Resgatada, a criança vai para algum abrigo e fica ali por 4 meses vivendo, comendo, estudando, brincando e tendo apoio médico e psicológico diariamente. Visitei a CWC, Child Watch Comitte e a APSA, Association for Promoting Social Action. Ambas tem instalações bem precárias, mas os funcionários são sérios e comprometidos. Me pareceu que se eu fosse alguma daquelas crianças resgatadas, estaria bem feliz de poder ficar naquele abrigo e não na situação de abuso.

Meu trabalho vai de 09h30 às 17h30. É engraçado que se passa das 17h30 todo mundo fica nervoso pra ir embora porque “tá muito tarde, tá muito tarde!!” e vazam correndo. Somos 15 pessoas, alguns nomes: Rashmi, Thanuja, Padmini, Nagasimha, Lackshimish, Sumana, Pooja, Vasudevana, Adhunika e uma Maria Teresa, de família católica... quem me disser quem é homem e quem é mulher ganha uma bata indiana linda, é sério! Mas tem que gabaritar. Tive que anotar os nomes porque simplesmente não conseguia lembrar e ainda tenho dúvida de quem é quem, uma vergonha. Almoçamos sempre juntos, trazem marmita ou compram comida na cantina embaixo do prédio, sempre comida indiana. Eu faço parte do grupo da cantina. Durante o almoço se discute os projetos, o que falta fazer...Não se descansa do assunto do trabalho um minuto.

No último domingo fui na vila do Simha, se chama Chocolate. Distante 32km de Bangalore, é uma vila com 500 habitantes, e lá ele coordena um projeto com as crianças, elas mesmas saem batendo de porta em porta falando dos direitos das crianças, organizam workshops, vão aos templos conversar... uma coisa. O bom é que elas são umas queridas, são pra frente mas não são aquelas crianças-alien que a gente vê no Raul Gil ou então a rainha delas, Maysa. Fizeram um super interrogatório sobre mim e sobre o Brasil, e uma delas por quem fiquei completamente fascinada, Mega, ía anotando tudo freneticamente. Mega é difícil de descrever. O nome já diz tudo e ela merecia um post só pra ela, mas como não sei como dizer o que gostaria, vai sucinto mesmo. Com 16 anos ela parece ter 12, tanto fisicamente quanto na maneira de se comportar. Ela é a mais velha e cuida de todas as outras com uma graça que dá uma felicidade de ver... Pra resumir, ela tem uma luz tão forte dentro dela, ao mesmo tempo é tão frágil, tão querida... ofusca. Mega é mágica. Espero do fundo do meu coração que esse mundo podre de Meu Deus do Céu reserve a ela só alegrias, e a conserve. As crianças não falam inglês então rolou uma tradução simultânea do Simha. Tive que cantar o hino nacional e traduzir, tentei ensinar samba, subimos na árvore... foi ótimo. Conheci o Arum, um raparigo de 28 anos com casamento marcado para Julho. Foi casamento arranjado mas a moça é uma prima distante então eles já se conheciam, só que ela tem só 20 aninhos...Ele tá numa felicidade só, até brinquei com ele que tem ainda 2 longos meses pela frente e ele não pode mais esperar. Imagina, 28 anos de seca completa a gente entende. Ele me pareceu uma pessoa muito bacana, mas se ela está feliz não sabemos. O que importa é que fui convidada pro casamento AEEEEE então terei a chance preciosa de ver um típico casamento hindu do sul da India.

Voltando ao assunto do trabalho, tenho muitas visitas marcadas e to bem interessada. O que eu vejo nessas visitas é que me deixa mal e provavelmente serão assunto do próximo post, porque nem tudo aqui é reluzente e puro como Mega.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Na toca de Shiva






Depois de 1 mês de puras férias na NZ, colocar os pés na Índia poderia ser a pior empreitada do mundo, se eu tivesse dado ouvidos aos tantos “achismos” que chegaram até mim em toda oportunidade que o assunto do intercâmbio veio a tona. Inclusive um livro bem irritante que li, poderia ter me desmotivado completamente. Mas acredito que é aí mesmo que se deve testar os fatos e as verdades, pra tirar a nossa própria frustração (ou não) e não a dos outros. Hoje já estou no meu dia 09 aqui e, por fim, tirei um tempinho pra postar no famoso blog que prometi.

Com intercâmbio de estágio acertado nos 45 do 2o tempo na Child Rights Trust em Bangalore, através da AIESEC, desembarquei na cidade em 04 de Abril de 2010, as 22:00: bad idea. Acreditando que alguém da AIESEC Bangalore estaria me esperando, fiquei no saguão por 1 hora dando mole, inclusive perguntando para alguns suspeitos se eles estavam me esperando, mico. O entorno não era tão aterrorizador quanto eu previa, mas percebi que algumas coisas que vi ali vão tomar conta de toda a minha estadia no país: gente, muita gente em todas as partes, a maioria homens. Comprei minha primeira água no país e fiquei analisando ela abrir, com medo que fosse uma daquelas coladas com super bonder. Não era. Resolvi pegar um taxi e aí foi o primeiro golpe, paguei o triplo do valor normal para o trecho que fiz. Tudo bem, nem esquentei, faz parte do show. Cheguei no Hotel Ajantha, indicado por um professor meu e foi tudo ótimo, bem simples e antigo, Rs 820 por noite (cerca de R$ 32). Na TV, Bollywood moderninho estilo filmes de ação americano, os bofes nos super carros envenenados e as indianas de cabelos pranchados, shortinhos e afins dançando bem faceiras, perto da boquinha da garrafa e muito, mas muito longe do saree (traje típico indiano para mulheres). Apaguei.

De manhã, liguei do Hotel para o trabalho e já estavam me esperando. No escritório foi tudo ótimo, conheci o Sr. Nagasimha, vice-presidente da ONG e meu chefe direto. Ele me apresentou a todos os demais, todos muito simpáticos e receptivos. Me perguntaram curiosidades básicas sobre o Brasil e, por incrível que pareça, percebi que alguns não sabiam onde era o Brasil, não sabiam nada! Fiquei de cara. Foi a primeira vez que falei do Brasil no exterior e as pessoas ficaram no vácuo. Ou melhor, eu fiquei no vácuo, não me pediram pra sambar nem gritaram “Ronaldiiiiinho!!”. Expliquei onde era, como era... não só no escritório, mas por lugares onde tenho andado e do nada chega alguém “Miss, miss, hello, where you from?” e respondo “Brasil... South America...” não muda nada, todo mundo fica boiando. Mal sabem eles como somos parecidos, pelo menos em problemas, malandragem e simpatia.

A noite, Ankit da AIESEC foi me buscar no Hotel de mala e cuia pra me levar pra 1 dos apartamentos que os trainees estrangeiros vivem aqui em Bangalore. Como as condições do meu intercâmbio incluem acomodação e alimentação, tenho direito a um cantinho nesse apartamento. O Ankit é um querido, um guri de não mais de 20 anos, todo moderninho e pra frente. Mudei do centro para Koramangala (nao que isso explique muita coisa pra voces), um bairro mais caro e residencial. O tal do apartamento dos trainees é em um condomínio estilo esses da Barra da Tijuca, com piscina, quadra de tenis, fiquei de cara. Só que é velinho e está mal cuidado, bem mal cuidado. O apartamento é bacana, com sacada e tudo, em breve postarei fotos do famoso Raheja Residence. Lá estavam Eric da China, Jodie da China, Mareika da Alemanha, Marley um indiano festeiro penetra e Caetano, de São Paulo, veio pela AIESEC USP. Fiquei feliz em poder falar português e poder rir de coisas em comum que só a minha gente brasileira sabe, deu uma refrescada no meu primeiro dia. Tudo muito bom, tudo muito bem, depois de algumas conversas e um jantar fora com o pessoal, cama. E esse foi meu primeiro dia na India, bem resumidinho.

Os dias vem transcorrendo bastante bem. Minhas impressões gerais da India por enquanto estão boas, quem sabe porque eu estava esperando um caos total, desgraça, morte e bombas nucleares. Ou quem sabe é porque estou na melhor e mais ocidental metrópole da India. Quando eu começar a sair de Bangalore se a coisa mudar, eu conto. No mais, estou bem tranquila e fora o cansaço físico pelo calor e uma dor de garganta que veio e já foi embora, pelo ar seco e por todo o estresse da adaptação, não tenho grandes queixas e ressalvas. O que sinto sinceramente é que muita coisa boa me espera aqui e muito aprendizado. Quem sabe uma das maiores aventura da minha vida, não sei, só garanto que minhas apostas pra esses próximos meses estão altas, e to bem feliz com isso. ;)